Capítulos 22 – 24

  • Guahyba

TOM: Dm

Dm/A D3-  G Bb

Dm/A D3-  G Bb 

Os nossos caminhos embora sozinhos têm o mesmo destino

Eb5/Bb C5/G

Liberdade

Dm/A D3-  G Bb 

Que tal tu mais eu a passear pelas ruas da nossa

Eb5/Bb C5/G

Saudade

Eb5/Bb C5

G5/D A5/E Eb4 C4

O mar não recusa os rios que querem se separar

G5/D A5/E Eb4 C4

Pedra Bugra e Yucumã seguirão indomáveis

E5/B A5 C5/G Eb5/Bb

De que adianta defender tratados

E5/B A5 C5/G Eb5/Bb

Se estamos inundados no deserto do pecado

Dm/A D3-  G Bb

No bochincho não mais ouviu-se riscar adagas em nome

Eb5/Bb C5/G

De chinas

Dm/A D3-  G Bb 

Na sarau não mais viu-se dançar milongas faceiras

Eb5/Bb C5/G

Meninas

Eb5/Bb C5

G5/D A5/E Eb4 C4

E5/B A5 C5/G Eb5/Bb

Capítulo 22

Foste deixando acumular vários problemas, tiveste um cisto no cóccix que quase precisou de cirurgia para retirá-lo e achara que para ser um pelo duro não poderia mais lavar o ânus. Mas o que mais deixara-te ansioso fora o desdobramento da denúncia de compra de votos na eleição municipal de Constantina. Pela primeira vez no município um vereador teve seu mandato cassado. Tudo graças à umx eleitox corajosx que instalou uma câmera oculta que filma o candidato a vereador enquanto compra-lhe o voto. Em posse do vídeo, postastes em tuas redes sociais e entraste em contato com jornalistas da região. A advogada do vereador entrara em contato contigo para que retirasse do ar o vídeo para que não houvesse processo judicial, coisa que fizeste, uma vez que tu não teria grana para bancar advogado nenhum. Além disso ela ajudou muito depois de perceber que tu não estava simplesmente botando fogo no mundo, mas tentando criar a possibilidade de coexistir. O presidente do Partido dos Trabalhadores, dissera jamais ter acontecido feito parecido como este na cidade e agradeceu veementemente a tua ousadia, pois um vereador do PT pode assumir a vaga.

Criaste também uma página chamada Constantina Capital onde postas observações sobre a leitura das obras de Karl Marx. Mas a ansiedade é tanta que tu começas a despertar a atenção dos teus pais e da Miche por conta das
caminhadas noturnas.

Capítulo 23

Boatos diziam que tu estavas dentro de um buraco. Mas na verdade fizeste mais uma greve contra o pensamento da médio-burguesia da oficina. Apelidaste de caralho pois este é o nome do local mais alto do navio e tu estavas no local mais alto da oficina fazendo cara feia para todxs. O caralho ficava logo acima do torno onde teu tio ferreiro passavas os dias a trabalhar. Toda a vez em que ele se abaixava para pegar alguma coisa e erguia a bunda tu gritavas “que tiro foi esse?”. Ao teu lado, livros diversos, como A Ideologia Alemã de Karl Marx; Filosofias Africanas de Luís Antônio Simas e Nei Lopes, que às vezes lias em voz alta; celular e fones de ouvido. Quando o ferreiro perguntava o que tu estavas fazendo respondia dizendo que era uma ditadura militar, só que às avessas. No fim do dia descias para dormir na garagem da casa de teus pais. Haúlu foi chamado para ver o que estava te acontecendo. E tua mãe, como de costume, dissera que chamaria a Brigada Militar. E, mais uma vez, e, unicamente, a Miche veio de Palmeira das Missões te confortar. 

Capítulo 24

Talvez tu possas estar plagiando o próprio governo Lula/Alckmin que planeja utilizar uma linguagem neutra no seu governo. De qualquer forma, o idioma é como um vírus para os Beatniks; ele sofre mutações vindas de cima e de baixo do cenário político e como um dos medicamentos que toma é o Carbonato de Lítio ou Literata, tu tens a sacada de provocar uma revolução através disso. Este nome te dá um insight maravilhoso e tu crias o start de uma revolução chamada Revolução Literata, afinal, literatos já existem de monte. Eis os cânticos de guerra: 

Toda fofa passa! 

À todas toda! Ao todo, nada!

À toda, todas! Ao todo, nada!

Pedes para que Martha e Odessa se aproximem mais para que o embate entre capitalismo e anarquismo possa ser visto como uma nova forma de se socializar. Odessa com seu machado celta e Martha com seu arco e flecha começam então a interagir.

Na parede da churrasqueira estão contra Haúlu, a Esquadrilha da Fumaça, galera do navio Speedy Gonzales que tua prima Clairê te apresentara assim que chegaste à Constantina. Enquanto isto, tentas encontrar um equilíbrio entre tantos Filhos do Sol. Para acionar teu Guru basta dizer “falo”, para ligá-lo e desligá-lo. Sendo fumantes ou ex-fumantes, toda Esquadrilha da Fumaça recebia a transmissão, inclusive a filha de Haúlu, Loueee, que estava muito interessada em participar tendo proposto vários diálogos, quando tu fumas. 

A revolução começa a se espalhar e logo a Replicante fica interessada na revolução. Durante uma entrevista que deste e com a garagem cheia de revolucionárixs, senta-te e cruza as pernas para falar sobre o propósito da revolução, a televisão vem te entrevistar. A noite termina com uma punheta no banheiro da garagem em teu momento Mistify Me. Tudo ao vivo. Um integrante da Revolta dos Nerds, Nico, acaba morrendo no banheiro da garagem depois que tu tocas a gola de sua camisa.
A maior parte das pessoas que moram em Bella Cittá são bolsonaristas e a cidade toda é reacionária. Por isto aquelas instruções de Wilmar vieram a calhar. Estais cercado, portanto.

O Goleiro Suicida atrás de ti é do time adversário e ele prevê o futuro. Para passar despercebido tens de caminhar com os glúteos enrijecidos, para não o provocar e de preferência com as pontas dos pés abertas para fora, pisando com os calcanhares. Ao caminhar na rua deixas tudo solto, mas em casa foi necessário agir como elxs. Fazendo isso pudestes ludibriá-lxs.

Certa vez, teu Guru dissera que o Goleiro poderia ser capaz de provocar uma tragédia numa escola, pois é um incel de 40 anos, tiozão de bombacha. Com ele tomaste duas cervejas naquela noite em que o ferreiro estava de férias. Apresentaste ao Goleiro a tua música que compuseste com a gaita de seu falecido pai. Os encontros com teu guru acontecem na desrealização do mundo, quando tu podes vê-lo sentado sobre as casas em forma gigantesca enquanto vocês descontroem preconceitos e planejam nós cegos à massa ignara.

Ao chegar na casa da Bruxa Mariposa bebeste todo o velho barreiro que sobrara do teu aniversário enquanto ela estava fora estudando a Pedagogia do Oprimido.

Do Morro da Vaca até o Beco do Mijo desceste a pezito e provocaste a todxs na rua da oficina cantando “Eu não vou votar! Nunca fui atrás de ninguém”, música da banda Nazireu Rupestre. Teu pai descera do apartamento e ficara te esperando sentado na mureta. Aproveitaste que o ferreiro não estava para entrar no terreno dele e mexer com xs vizinhos da quadra do lado. Dela surgiu uma mulher chorando, com café e bolachas. Comestes e disseras para que a Estrela de Fevereiro seguisse em frente e que tu nunca teve nada mais para lhe oferecer. Terminaste dizendo que estavas cansado de ser Jesus Cristo.

Caminhando de volta na direção da casa de teus pais gritara a ele para que conversassem nos fundos do terreno, passando por trás da oficina, embaixo da jabuticabeira, mas ele não aparecera e tu começaste a gritar os nomes de tuas primas antes de subir na antena de TV SUL e só fostes embora quando tua mãe ameaçara dizendo que chamaria a Brigada Militar. Com medo e correndo de volta para a casa da Bruxa Mariposa ainda antes dela voltar da leitura.

Nesta noite Piá fingira não te conhecer quando passaste pelo bar convidando quem quisesse derrubar a estátua do padre.

Mais tarde, tentando dormir o Kwerna vem acorrentar teus pés, e de medo tu acaba dormindo no chão do quarto na posição fetal e virado para a rua para que robôs do Estado não notem tua presença.
Kwerna acaba se envolvendo num acidente de moto, mas ele já estava morto. Ele te perseguiu simplesmente porque tu havias falado com sua ex-mulher. Chamaste Diana, parente dele, para que se acalmassem os ânimos. 

Tua cabeça já não aguenta mais e os remédios parecem estar defasados. Tu começa a pedir por uma internação. 

Se meu mestre me recusas condenar, morre Ele em meu lugar.

Capítulos 19 – 21

  • Lá onde tu tá

TOM: C

MAIS WEEZER

C5 G/B E3- A5 G5 C7M Am Dm G7

Enquanto Sepé morre erguemos mais ruínas ao futuro

F5               G#5             C5     A5

Amoras do curtume proibidas

F5           G5          A5 Am7 E3-

Bananeiras como saco de pancadas

F5               G#5             C5    A5

Na luta viraremos nossos pulsos

F5           G5          A5 Am7 E3-

De tanto amianto nas veias

C5 G/B E3- A5 G5 C7M Am Dm G7

Se a Bugra não vê a Pedra afogamos o Yucumã

F5               G#5             C5     A5

Deixamos finalmente de ser honestos

F5           G5          A5 Am7 E3-

Sequestrados pelo capital meridional

F5               G#5             C5                               A5

De oprimidos à opressores

Dm         G7                          C             G7

Estátuas para nossos algozes

C E Am Am7 F G

Cara, tu ficou adulto demais

C E Am Am7 F G

E não parece aquele velho amigo

C E Am Am7

Cara tu parece até teus pais

F G C

Assim é capaz de alguém querer casar contigo

C7M E7 F G

Que perigo

Cm Cm7 G#5 G5+ F7 G7 C4 C

Capítulo 19

Comunicado da Biblioteca Kaos diante da Perseguição contra anarquistas, postado em (bibliotecakaos.noblogs.com, s.d.) em Novembro de 2017

“Há muitas coisas para falar, mas iremos pelo mais urgente.
O 25 de outubro começou uma perseguição anti-anarquista contra a FAG, o Parrhesia, a ocupação Pandorga e algumas individualidades que tiveram espaços e moradias invadidas pela polícia. Se não toda, provavelmente uma boa parte da diversidade anarquista foi atingida e várixs deles se
pronunciaram desde suas concordâncias, com firmeza, diante da repressão. E isso é vento fresco que fortalece a todo aquele que se sinta em sedição.

Fica evidente que a mira dos agentes da repressão também aponta contra nós, contra as publicações que fizemos ou nas quais participamos. E é sobre isso que vamos a nos pronunciar. A cronologia da Confrontação Anárquica, tanto aquela que recolhe informação desde o 2000 até o 2015, quanto aquela que recolhe o acionar anárquico do 2016, são os livros que
estão exibindo como “provas” de vandalismo, ataques, e atos criminosos.

Dentre as múltiplas formas de procurar a liberdade que tem o anarquismo, esses livros falam da informalidade anárquica como uma opção de acordo com o rosto da dominação atual. Ainda mais, esclarecemos que estes livros falam de ações que não são anarquistas só. O foco dos livros é a difusão de ações anárquicas. Para ser mais precisos, se difundem ações nas quais nós sentimos o aroma da anarquia. E entre o anarquismo e a
anarquia há diferenças que podem ser delicadas, mas que são importantes.

O instinto anárquico é aquele impulso anti-dominação que pode estar presente em qualquer individualidade ou coletividade, para além dos pertencimentos ideológicos e militâncias políticas. É por isso que nas cronologias incluímos conflitos das populações não ocidentais, a conflitividade nas ruas dentro de protestos mais abrangentes e motivações diversas, ações contra o estado e o capital e muito mais.

Longe de ir pela teoria, esclarecemos isto já que a perseguição contra os anarquistas não toma em conta estas diferenças procurando achar um bode expiatório para múltiplos eventos que incomodaram aos policiais e aos poderosos de sempre.
Surpreende que a polícia, o Delegado Jardim, e a mídia mostram como a grande novidade, fatos que já foram manchete no seu momento e já foram pesquisados pela polícia também, só pelo fato de estarem condensadas em nossas publicações. Nenhum dos livros é uma reivindicação. São livros de uma memória anárquica, com ações e conflitos muito anteriores à existência da biblioteca kaos e que com certeza irão continuar para além
de nós. A publicação mostra, com alegria e de cabeça erguida sim, a existência de um confronto anárquico que dá resposta à dominação, à devastação da terra e ao ataque contra toda forma de liberdade, mas não reivindica a autoria desses fatos que podem ser colhidos, tal como nós fizemos de várias páginas de internet e jornais locais. E se fizemos essas publicações sabendo do risco que elas apresentavam é porque a insubmissão merece ser defendida, uivada, festejada e gritada por todos os meios possíveis. Jamais acreditaremos nem respeitaremos a obediência
que pretendem impor, a submissão e o medo que querem inocular nas pessoas desde que nascem.

Para além disso tudo. As ações que estão nas cronologias são ações de ataque contra a materialidade da dominação. Ou seja, contra prédios, carros, máquinas, estradas, vidraças. Coisas. Objetos. Símbolos. A polícia do território controlado pelo estado brasileiro é internacionalmente famosa por ser uma polícia assassina. As operações de pacificação, são chacinas, autênticos massacres, como a da Candelária e a do Carandiru, assim como o assassinato pelas costas de Eltom Brum que até teve uma torcida policial recebendo o assassino. E são eles quem vem a falar de terror, de quadrilhas do mal, de tentativa de homicídio?

Mostram um estilingue e tijolos ecológicos como armas, enquanto eles estão de pistola na mão. Falam de terrorismo e quadrilhas do mal enquanto preparam a seguinte invasão contra uma vila ou favela, onde os mortos nem serão mencionados pela mídia. Assim, insignificantes são para eles. Gostaríamos de acreditar que todos se sentem insultados com as provas do delegado Jardim. Num contexto onde as armas são corriqueiras,
tijolos ecológicos apresentados como explosivos é um insulto para qualquer um. Porém, não esquecemos do uso policial do pinho sol como arma (prova) contra Rafael Braga a quem sequestraram até ele pegar tuberculoses, os seja até sentir que fizeram de tudo para matá-lo.

As repressões contra os anarquistas mostram duas coisas. A primeira que apresentar “terroristas” na tela serve como show para tirar os holofotes dos problemas como a corrupção, o descrédito político-policial e o genocídio devagar mediante reformas econômicas. Que agora tentem resolver fatos do 2013 e persigam um livro e literatura, mostra claramente um uso mediático e espetacular que pretende esconder o crescente ataque contra a população, despolitizar mediante ameaças e
espalhar o medo até de ler (práticas evidentemente democráticas).

A segunda coisa que apresenta uma perseguição anti-anarquista é que a anarquia incomoda. Quando falamos da anarquia que incomoda, claramente, não estamos falando de meninos e meninas bem comportados agindo dentro das margens impostas pelo poder, não falamos de pessoas que tem as leis nos seus corpos e corações lhes desenhando seus limites de ação. Quando
falamos da anarquia que incomoda falamos de uma insubmissão tão forte de pessoas e grupos que tem sido capaz de interromper a normalidade da praça dos poderes, de paralisar a cidade, de quebrar os símbolos da militarização no Haiti, de queimar os veículos que sequestram, e matam arrastando como cavalos da inquisição (Claudia não esquecemos da sua
morte).

Os livros da Biblioteca Kaos difundem essa anarquia. A que incomoda. Aquela que responde o embate do agronegócio, da civilização colonizante, da militarização, do ecocídio, da sociedade carcerária… em palavras mais simples, enquanto a dominação tenta destruir o planeta e todos que eles acham indesejáveis, nós difundimos o que ataca a dominação.

E quando a anarquia incomoda, a reação dos poderosos ameaça e quer farejar o medo. A resposta anarquista e anárquica contra essa perseguição ficará nos nossos corações e ações. O como enfrentamos esta encruzilhada marcará o momento de nosso passo pela trilha da vida em rebeldia.

Força e solidariedade com Xs perseguidxs pela operação Érebo.”

Capítulo 20

Não podes mais beber, coisa que não fazes desde que encontrara a Sociedade Bíblica na escadaria da Borges, mas com a aparição de Michellini houve um momento de liberdade maior para que bebesses. Em pouco tempo, porém, já estava comprando cervejas em fardos. Numa dessas noites tivestes uma crise de ciúmes e quebraras teu violão, enraivecido. Magoaste Michellini e sua mãe, Gecy profundamente. Fizera o maior barraco, mas elas nunca te deixaram na mão, nem mesmo quando fostes internado pela segunda vez, o mês mais difícil da vida da Miche em muito tempo. Ela ia trabalhar aos prantos e muita gente pôde perceber que o amor entre vocês dois era genuíno.

Assim que saístes da primeira internação e voltaras para casa tivestes o apoio de Xuca, uma mulher tida como louca na cidade. Ela também sofria de Transtorno Afetivo Bipolar e é a cuidadora do teu avô diabético. Aos poucos, Miche começa a aparecer na tua vida e a inserir em ti uma vontade de abrir-se novamente. Tu começas a ajudar teu pai na oficina, mas a relação conturbada com ele é o estopim para a subida no “caralho” e a leitura da Ideologia Alemã de Karl Marx que quase incendiou o navio e causara boatos de que estavas vivendo num buraco durante uma semana. “Os marinheiros tomaram conta do Titanic!”, gritavas lá de cima. Somente a Miche pôde te consolar. Deves tudo a ela. Cada respiração, cada puxão de orelha e tantas ameaças de separação. Quebrara tua guitarra durante as brigas, amassara teu carro com pontapés, mas a Miche seguirias lutando para concretizar suas orações de encontrar um homem leal, fiel e trabalhador que coubesse no seu sonho.

Capítulo 21

Delírios persecutórios te acessam frequentemente e tu temes ser internado novamente, passa os dias na cama e começa mais uma vez a terapia, dessa vez com teu amigo William que passara boa parte de sua vida tentando domar sua besta interior. O tema central da psicanálise está focado em mangás/animes, principalmente Naruto, garoto da Aldeia da Folha que nasceu com uma criatura do folclore japonês dentro de sua barriga através de uma magia que seu pai selara em seu ventre. Naruto, o protagonista sofre muito preconceito dento de sua aldeia devido a este fato. O diagnóstico é de Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) e esquizofrenia residual.

Se meu mestre recusas me condenar, morre Ele em meu lugar

Capítulos 17 – 18

  • Coração de Veado

Tom: A

Afinação: E

Intro: Db A Ab F# (2x)

Db A Ab

Solteirões de bombacha

Encarnando o Velho Vyscacha

Com o nome do pai, lobisomens

Db A Ab F#

Só na mesa da mãe comem

Db A Ab F#

Coração de veado

Db A Ab

Coração de veado

D       E        A

Compadres que mateiam vendo a borboleta voar

São deuses da minha imagem cativa e vulgar

Db A Ab

Tiozão eremita

Mestre que não medita

Cujo sonho na vida

Db A Ab F#

É livrar as crianças da Anitta

Db A Ab F#

Coração de veado

Db A Ab

Coração de veado

Capítulo 17

Nesta época tu receberias no teu apartamento alugado no Centro Histórico de Porto Alegre, duas garotxs nascidxs nos dias 26 e 27 de Janeiro, sendo que tu nascera no dia 28 de Janeiro, por convite de tua irmã, Laura. Seria o acaso ou predestinação? Passariam cerca de seis meses morando juntos, pois o apartamento de Alex (Alexandra) inundara e ela havia pouco se separado de um relacionamento com uma mulher. Alex é uma estado-unidense que ficou enraivecida com a vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas, fumava cigarros e adorava chimarrão. Ela trouxera consigo a gaúcha, Luíza Eltz e o mineiro, Lucas Queirós, além de um Super Nintendo e um cachorro Golden Retriever que te faz companhia nas caminhadas diárias ao cachorródromo na Praça da Ponte de Pedra. Eltz é uma garota judia que rompera com o judaísmo e havia lançado um álbum musical chamado Travessia dos Mundos. A música foi o que xs uniu. Juntos vocês três tocaram os mais variados estilos musicais e se divertiram muito com as mais variadas pessoas que frequentavam aquele encontro zodiacal, participando de três eventos musicais na Cidade Baixa sendo o terceiro promovido por vocês mesmos no bar onde tu trabalhavas durante algumas noites da semana, o Riff.E Bar, onde tu apresentara-se pela primeira vez como Farizeu & Os Hipócritas, contando contigo no vocal e guitarra, Pocahontas na bateria, Cadré na gaita de boca e um amigo de ‘Poca’ no baixo. Além disso, apresentaram-se também pela primeira vez naquela noite os caras da Top Chop, uma banda de rock instrumental de POA; e Alex e Luíza Eltz num show intimista de violões e vozes.

Mas estes dias também eram dias de delírios religiosos e de muito conflito com tua irmã, Laura, assumidamente lésbica; e outros problemas familiares como o estado de saúde de teu avô, Wilmar. Tu rezaria para que o destino reaproximasse teu caminho junto ao dele, um ferreiro que dedicara sua vida à família. Tu és um dos poucos netos nascidos homem e por isto ele te dera instruções ao longo de toda a vida sobre como se comportar frente aos homens da cidade e sobre a divisão generificada do trabalho.

Certa vez, na oficina mecânica de tua família, quando começaste a trabalhar aos 14 anos e varrera o estabelecimento, ele te dera R$10,00 por “não ter feito nada”, só para ver-te irritado e te testar. Mas só depois que partira para além-vida foi que podes entender o valor daquele homem, por mais patriarcalista que fosse, Wilmar foi um homem de seu tempo, e era aquariano que nem tu. A relação entre vocês dois sempre fora conflitante. Ele fizera pouco caso quando lhe disse que iria para a Capital em busca do sonho de ser artista. 

Ter-te envolvido com Martha fizera-te sentir-se como se pudesse ser um Farezin na grande Porto Alegre. Tentava sê-lo, mas isso teve custos altíssimos quando o dinheiro se acabou e fostes assaltado diversas vezes por batedores de celular. De todo o modo, somente depois de internado compulsoriamente que esta paixão avassaladora pode enfim respirar. E isso acontecera quando vieste para Constantina dizer ao teu pai que Martha havia de ser tua esposa a todo o custo, nem que fosse necessário vender teu carro. Obviamente, o tom dessa conversa foi bastante exaltado e dentre outras loucuras, acabaste sendo internado compulsoriamente. A Brigada Militar e a oficial de justiça vieram até tua casa enquanto tu lavavas a louça entregar o ofício e levar-te até o Hospital Comunitário de Sarandi. 

Todo o sábado havia visitas e teus pais cumpriram-nas religiosamente. Uma infinidade de remédios foi ministrada diariamente e sentias espasmos constantemente. 

A internação compulsória foi realizada por que o teu nível de embotamento havia excedido o considerado normal. No Hospital Comunitário de Sarandi passastes um mês. Raúlu seguira o carro que te levava e entregara-te seu número telefônico. Voltando de Porto Alegre, certa vez, ele dera-te uma carona e no percurso desabafara sobre a pedofilia que seu pai havia cometido.

Na volta para casa em Constantina, videogame, livros, Grêmio, oficina e aplicativos de matchs na internet eram teus companheiros. Não tivera escolha, o tempo deveria ser deixado passar, até que tu conquistasses uma estabilidade emocional.

Passaste uma semana inteira decidindo se voltaria ou não para a Nabucodonosor na casa do Prego, uma espécie de ZAP. Prego, como de costume bebia diariamente. Foi mais ou menos por aí que tua fase vegana terminara e tu achavas que a compulsão dele em beber tinha a ver com as matérias que fizeste sobre ele para o jornal de Carazinho.

No dia do teste no jornal, um ano antes das Jornadas, te foi passada a pauta de cobrir as viagens de ônibus na rodoviária da cidade. Lá encontraste Prego indo para Santa Maria visitar um amigo. Perguntaste a ele se tu poderias realizar a entrevista e pediu para demonstrar-te um pouco de sua arte de mangueio no semáforo. A foto ficara linda e fora contra capa do jornal e tu conseguiste o emprego. Aconteceu que Prego perdeu o dele por causa da foto, pois estava matando o serviço.

Ainda na casa dele, tu tiveste contato com Bhreckler, acadêmico da História pra quem deste o livro de contrainfo Cronologia Maldita.

Na vitrola tocava Raul o tempo todo. O pai do Prego era um raulsexista. Também havia por lá algumas preciosidades como o Rubber Soul dos Beatles e os anarquistas da Agrotóxico.

Já na casa de Henna passaste o tempo em que ficaram entrelaçados pelo hedonismo de seus seres. A chaga ainda está aberta. Ela não te deixava fumar, mas tentou colocar fogo nos teus livros. Foi lá que entraste em contato com os Harrison e confiaste piamente que o brother McCartney receberia tua ligação. Nas paredes da oficina escreveste “Deus, destruís os meus sonhos, livrai-me dos meus irmãos, abençoai meus pecados. Deus, dorme com Deus”, mas riscaste com uma linha tênue que nem a primeira faixa de Chaos and Creation In The Backyard, Fine Line.

Capítulo 18

Jloc dissera que em vinte dias estaria de volta. Faltavam apenas alguns meses para a eleição presidencial de 2018 e tu disseste em alto e bom som “Que se foda o Bolsonaro!” E ele simplesmente lamentou pois sabia o que um mandato de extrema direita faria com os indígenas. Mas tu não. Então pediste a ele para ficar na Nabucodonosor em sua ausência.

Lá pelo trigésimo dia subiste na construção dos fundos e deitaste no chão do segundo andar para sentir se o avião estava chegando. Mas sua mulher, Ana, interpretara através das cartas que ainda era cedo demais para ele voltar à “nave”.

Enquanto isso o tio policial de Jloc estava sempre à espreita trazendo lenha ou aipim e tu tinhas a sensação de estar sendo perseguido. A vizinho ao lado, Zelda, por sua vez repartia comida contigo em troca de levar seus cachorros para passear. Ela tinha dois ainda bem jovens, um era pitbull e o outro, pastor alemão, além de gatos que viviam pulando a cerca e lá na construção aos fundos eles se reuniam para conversar. Não conseguiste ter uma boa relação com o gato da Nabuk. Ouvias os discos, lias os livros e fazia fogo nos friorentos dias de Julho de 2017. Tentaste também arrumar alguns bicos na vizinhança. Certa vez ela te convidara para um almoço e te contara sobre como foi viver nos pueblos da Espanha.

No ensino fundamental aprendeste a bordar e bordaste a bandeira da Alemanha: amarela, vermelha e preta. Quando Jloc fora te buscar tu puxaras o violão e fizeram uma cantoria na tenda próxima à entrada da entrada do condomínio. Ao chegar na “nave”, estendera a bandeira no varal, tentando provocar Jloc.

Depois que Jloc fora para o Cerrado tu ficastes cuidando da “nave”, então cortara a parte amarela da bandeira e ergueras a bandeira do socialismo libertário: vermelho e preto. Também tentara montar um letreiro com latas de cerveja escrito LOKI, mas não conseguiras terminar sua produção.

Acordavas cedo, pegavas a bicicleta, pedalavas até a “Escandinávia”, local onde havia pinheiros e era muito frio e voltavas de lá com a sacola cheia de pinhas e grimpas. Fazias pão de panela, comias abacates do terreno, cozinhavas lentilhas, feijão, arroz e tomavas café e chimarrão.

Ouvistes pela primeira vez na íntegra discos clássicos do rock como Quadrophenia do The Who, The Number of The Beast do Iron Maiden e Rolling Stones.

Sentias falta de Flora Fauna, garota que cuidava da “nave” antes de ti. Vocês tiveram um lance juntos, mas tu ficaste sabendo que ela haveria de encontrar outro alguém para vida inteira.

Depois de quarenta dias lendo a Política do Rebelde de Michel Onfray dentre outros clássicos anarquistas, tu decidiras deixar a Nabucodonosor do mesmo jeito que vieras: a pé. Parecia uma ideia sensata, e seria, se pelo menos não tivesses parado de tomar teus remédios. A bipolaridade e a esquizofrenia ainda estavam adormecidas. 

A Nabucodonosor continuaria à deriva, mas claro que algumas modificações foram feitas ao longo desta quarentena, coisa que até o momento ainda não sabes como Jloc reagiu ao voltar do Cerrado. Nas paredes tu escrevera “Anarkia” e criara o jogo “Capavasnavas?” que consistia em riscar nas paredes da nave a cada novo passo de cada jogador; “reorganizaras” a biblioteca e a discoteca e consertastes violões. 

Dias solitários em que te tornaras imperdoável por pecar contra o Espírito Santo. Tudo isso mexera com a tua cabeça de forma religiosamente anarquizadora, o anarquismo catolicista que Mikhail Bakunin escrevera há cerca de duas centenas de anos atrás.

No caminho de Viamão à Porto Alegre durante a noite, tu largaras tudo menos as cuecas. Um homem encostara o carro próximo a ti perguntando se tu tinhas sido assaltado. Até mesmo a Brigada Militar tentara entender o que se passava contigo e tu responderas que estavas indo para o bairro Farrapos lutar pela revolução. Funcionou! Devido à chuva tentaste dormir entre os sacos de ração animal de uma agro veterinária, mas não resististes e fostes colocado a correr abaixo de tiros depois de bater na porta da casa pedindo roupas. Provavelmente, ao deixar de ministrar lítio, tua cabeça perdera todos os freios.

“Não deu em outra!” Acabara dormindo no meio do mato naquela noite abaixo de uma enxurrada de delírios persecutórios e de chuva calma também. Até mesmo a Nabucodonosor parecia estar contra ti, quando tiveste acesso às fotos de Jloc e em uma delas viste um cachorro com um dedo humano na boca. Se era um dedo humano ainda não sabes afirmar, mas que parecia, parecia. O Pequeno Gigante aparecera com sua Intruder e trouxera ácido lisérgico.

O que poderia ser uma grande decepção, na verdade tornou-se uma grande benção. Leknaat viera te visitar durante a madrugada embaixo dos galhos de uma árvore rasteira. Durante sua aparição o local se transformou no Santuário de Aquário e Leknaat chorava, pois, a runa que tu receberias seria a Seladora de Almas, tendo em vista que teu braço esquerdo sempre foi defeituoso devido a um alongamento dos ligamentos do ombro. Assim, de joelhos em frente ao Santuário ouviste estas palavras:

Na tua mão esquerda tens a mais forte não verdadeira runa da Terra, Gaya, que auxilia o partido com magias de terreno e ataque. No polegar está o Falo; no indicador a FAG (ocupação anarquista); dedo médio está Johnny Ramone e sua contradição; Byafrô, que dispensa comentários, no dedo anelar; e Eggman no mindinho. Na tua mão direita a Runa Verdadeira Seladora de Almas. No polegar está Belchior, o bardo; no indicador, a Academia; no médio os Vestibulandos (ou Vespertinos); e no mindinho está Elza, a gunshooter. Na cabeça carregarás a runa do Aguaceiro que oferece magias de cura e ataque.

Depois destas palavras pudeste ver uma mulher com roupas do oriente-médio chorando, debruçada na tua frente na entrada do Santuário. Rezaste por todas as mulheres que amas e pediste perdão, prometendo jamais ter filhos até que o ciclo da pedofilia se encerrasse.

Foi possível que observasse o que seria uma espécie de pedras primitivo-futuristas que se moviam lentamente, como grandes seres autômatos pré-históricos entre os galhos e folhas da árvore. Provavelmente o gatilho alucinógeno foi disparado devido às plantas que comeras: em suma, frutos de cactos. Uma madrugada memorável. Não conseguistes dormir, mas o show continuava e de manhã cedo assistira desenhos animados diretamente da movimentação do vento que batia na árvore. Com fome e semi-nú tentaras voltar para a Nabucodonosor, mas a Brigada Militar prendera-te e fostes levado à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Viamão para em seguida ser buscado por teus pais e assim voltar para Constantina outra vez.

Se meu mestre recusas me condenar, morre Ele em meu lugar

Capítulos 14 – 16

  • Última Vez

Tom: Am

Afinação: E

Intro: Am E7 F Am E Dm/A E/B Dm/A E/B Dm/A G/B C/G Bm11 E7 Am

Bridge: F E7 Am C Dm E7 Am G F E

C/E                                            E

A nossa última vez me deixou em dúvida

             E7 E5+ Am A7

A nossa última

              Dm

A nossa última vez

       Am

Última vez

           F        E                Am

Tinha cara de primeira de muitas

Bridge: F E7 Am C Dm E7 Am G F E7 Am F E

C/E                                            E

A nossa última vez me deixou em dúvida

             E7 E5+ Am A7

A nossa última

              Dm

A nossa última vez

       Am

Última vez

           F        E                Am

Tinha cara de primeira de muitas

Encerramento: Am(10ªcasa) Am(8ªcasa) E7 Am(10ªcasa) Am(8ªcasa) E7 Dm/A G C/G Bm11 E7 Am

Capítulo 14 

Para aqueles que não leem, não veem e não ouvem. Tu não sabes o que fazes ou para que serves. Formara-se ou deformara-se? Ela te abandonara justamente quando tu havias subido a montanha para limpar os olhos.  

Quem sabe e não volta, avisa.  

A esfera parece explodir quando os egos se confrontam. Como se a esfera de convivência rachasse com o atrito. Mas quem ficaria do lado dele? 

A música pop que toca na rádio é aquela que tiravas a contragosto para agradar quem participava das rodas de violão. Teu corpo ainda possui a forma de jogador de futsal. Mas tu não sabes qual a postura natural. Tua mente quer dormir. Teu corpo quer correr. Chegou a constatação de que todos estamos fodidos. Já não há por que fazer coisas das quais não se tem vontade. Admiras quem consegue trabalhar todos os dias em empregos rotineiros e robóticos, mas sabe que é módulo piloto automático. Teu tio emprestara os cadernos do curso de tornearia mecânica que fizera quando era jovem. Projetaste ferramentas, desenhaste os diferentes tipos de talhadeiras, descobristes que a palavra “ponçon” dita pelos mais velhos significava ‘punção’. Depois descobrira para que ela servia. Construíste tua própria serra e pendurara com as ferramentas do teu tio, próximo ao torno. Não passaste da primeira etapa. Querias cursar soldagem, mas a abertura de vagas nas turmas de soldagem básica do Senai de Passo Fundo ficava para as empresas que participavam de programas governamentais. Aprendeste a soldar assim mesmo. Queimaste a cara algumas vezes, mas passavas protetor solar. Tua mãe sempre tinha um por perto já que herdaste as belezinhas na pele. Ela sabia como era dolorosa a cirurgia de remoção à laser quando elas começavam a passar para um estágio cancerígeno. Tuas mãos foram crescendo devido ao uso de ferramentas e as constantes batidas. Achou emocionante quando entortaste ferro com fogo e fabricaste um gancho mal feito para correntes. As marteladas nas mãos deixaram teus dedos calosos e duros. Não conseguiste mais tocar violão depois que cortou a metástase do dedo médio fazendo uma torrada no jantar. Tinha mãos novas. Mãos de adulto. Percebera que algumas pessoas mais velhas que tu, ainda não haviam se tornado adultas. O que mais doía eram as costas. Mas achava confortável repousar o peso do corpo na lombar. Pensava muito na La Desaparecida. Queria saber o que ela diria sobre o rumo que escolhera. Ela sabia do teu pai. Talvez te confortasse com algum daqueles comentários heroicos. Mas, sobretudo, queria dar um banho nela e transar mais uma vez. Fazer uma pizza de maconha, assistir algum filme francês e receber um boquete. Acordar dias depois. Gostavas da forma como ela não tinha pudores. Sempre que sentava perto de ti pegava no teu pau como se segurasse algo próprio. Compusera canções para jamais abandonar o violão, ao contrário da canção que preenche uma fase. As tuas canções são para a eternidade. Queres revê-la sob a chuva cinza da cidade que um dia quisera destruir. 

De tão importante que é o amanhecer, dormiste no sofá para ter a sensação de ter dormido fora de casa. Sentira a falta do tempo que podia viajar com a grana do jornal.  

Capítulo 15 

Na Biblioteca Kaos, ocupação anarquista na Cidade Baixa, em um dos eventos organizados por um chileno, tu podes falar sobre teu pai, coisa que uma boliviana admirara. As programações da Biblioteca Kaos foram os principais recursos que tivestes para moldar teu anarco-individualismo, embora o pensamento niilista também se fizesse presente. Pudera ter acesso à uma infinidade de livros, inclusive a Morte do Manicômio, livro francês sobre a luta antimanicomial. Este livro foi muito importante pois um tempo depois tu serias internado e assim pôde saber como se portar frente ao sistema hierárquico de uma clínica psiquiátrica. Outros livros lidos foram As Notas do Subsolo e Crime e Castigo, de Dostoiévski, sem falar do acesso às publicações de revistas acadêmicas e de levante popular que estavam acontecendo no mundo todo, em especial na Grécia, como os livros da Insurreição Que Vem. Leste também a Carta Gaucha, sobre o velho Vyscacha. Nas rodas de conversa havia um marroquino, um português, uma francesa, uma boliviana, um argentino, dentre outrxs, que te deram a sensação de pertencimento à um movimento internacional. 

Lá, Odessa conversas contigo com as pernas esticadas e os calçados em cima da mesa, enquanto te ouves queixar-se do que havia acontecido na tua relação com teu pai.  

Foi nessa fase que Martha aparece na tua vida e tu vives com ela por cerca de seis meses uma tórrida paixão que chega ao fim no show dos Foo Fighters. No teu último ano na luteria e depois de tantas brigas com ela, sem dinheiro e sem destino, fostes na missa. Na volta encontrara na escadaria da Borges uma Bíblia para dependentes químicos e fizeste voto de nazireu por três anos. 

Depois de se separarem, tornara-te um ermitão e abandonara o emprego na luteria. Lera livros sobre latim e alguns clássicos da filosofia. Crises de ansiedade te acessavam constantemente e loucamente apaixonado por Martha, um sentimento que fizera de tudo para que pudesse trazê-la cerca de ti, inclusive entrar numa briga de bar que culminou numa surra danada que chegaste a pensar que estava com o nariz quebrado.  

Martha, por outro lado, não soube como reagir, pois, era tudo isso muito novo para ela, que havia se dedicado a amar somente mulheres, ou seja, tu eras uma grandíssima exceção. Ambos tinham amor pelos discos e ela possuía os sobrenomes ítalo-germânico e tu brasileiro-italiano, o que fazia de vocês dois se divertirem muito e sempre bastante regados à álcool. Era como uma grande confraternização em todo o encontro até que as brigas começaram a acontecer. Certa ocasião tu deixaste escapar teu preconceito pelo fato de ela sofrer de Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), caminho que mais tarde tu haverias de trilhar. Escreveste a canção “Ménage à Trois de Graça” em honra à Martha e Odessa, a capitalista e a anarquista, respectivamente. Tudo melou quando tua irmã, contara-te que Martha dera em cima dela, coisa que até hoje segue um mistério. 

Capítulo 16 

Enquanto um nazireu anarquista, seguias participando dos eventos da Biblioteca Kaos e do Boske Ibirapijuca, ocupação anarquista de uma antiga fábrica.  Em uma programação aberta no Boske tivera a honra de ser expulso por jovens sem pais nem mães, sem herança e futuro. A expulsão ocorreu depois de tu participares de uma sessão de audiovisual sobre a situação da luta anarquista na Grécia. Na hora do rango, perguntaram-te qual era tua profissão e tu revelaras ser um jornalista. Milho, de prontidão, pedira para que tu deixasses a ocupação imediatamente destacando que não havia intenção por parte delxs em publicar algo no noticiário de um jornal. Se tivesses dito que era amigo de La Rebelle, nada disso teria acontecido. Ou seja, tu ainda eras visto como um reacionário, mas começava a ganhar notoriedade pela insistência, como na vez em que duas compas (apelido de companheirxs) de bicicleta viram-te conversando com um equatoriano na praça do Mercado Público. Aos poucos fostes ganhando espaço para conversar nas okupas. 

Numa roda de capoeira lá, torceras o pulso e todxs riam da tua dureza nos movimentos. Em outra ocasião tocara “una zamba” com Milho e participaste também do aniversário de uma garotinha que vivia na ocupação. Começava também a participar de eventos em ocupações espalhadas pela Capital como a Feira do Livro Anarquista.  

O que querias de verdade era trocar de casulo. Na Kaos, assistiras documentários sobre a tragédia de Brumadinho e os levantes populares que aconteciam na Grécia e na América Latina em geral. Certa vez, numa dessas rodas de conversa um compa foi expulso por outra compa. Havia sempre um ar de expulsão no ar, principalmente se tu fosses homem-hétero-branco. 

Na Feira do Livro Anarquista durante uma oficina de não-violência, uma compa dissera haver violência no olhar repressivo das pessoas ali presentes enquanto ela falava, ou seja, mesmo dentro de um evento anarquista havia misoginia. E logo após isto, chegara Syn, criador da Parrhesia Erga Omnes (https://www.parrhesia.org.br/), com seu carro adaptado tocando música e invadindo o gramado próximo à Usina do Gasômetro. Milho, que não acreditava em dádivas, temia pela queda da chaminé da usina desativada. 

Syn também promovera uma roda de conversa sobre compas que estão no cárcere. Ele mesmo foi preso mesmo tendo levado a pior com um tiro na coluna que tirara o movimento das pernas. 

O compa chileno promovera também uma oficina de Descolonização e Despatriarcalização do Pensamento. Numa dessas tu mesmo derramara veneno em um compa quando ele disse que pegava travestis na madrugada porto-alegrense e tu respondera dizendo que não havia “achado teu pau no lixo”. Subitamente os ânimos se exaltaram e tu temera pela expulsão. Um compa argentino, porém, te ajudara a desconstruir este preconceito. “Isso que é amor”, refletiras. 

Certa manhã, depois de uma madrugada insone tu fostes até ao Boske pela manhã. Um compa chamara-te de Kropotkin devido à longa barba e cabelo. Almoçara junto dos compas e viste a habilidade de como todos trabalhavam organizadamente e se alimentavam muitíssimo bem. Tu não tinhas dinheiro para pagar o trem de volta ao centro da Capital então Milho te dera algumas moedas. 

Se meu mestre me recusas condenar, morre Ele em meu lugar.

Capítulo 10 – 13

Encruzilhada no pensamento

Tom: E

Cifra aqui

Áudio aqui

E        Em
Acordei, encruzilhada no pensamento
E       Em
Avistei o matiz no firmamento
A
É mais divertido atirar num objeto em movimento

E      Em
Sonhei ou foi na noite passada?
E      Em
Madre superiora queimando a largada
A
Vi toda revolução não ser televisionada

E                E7  E6 E              G  G4  G
E agora o meu destino é a encruzilhada

E     Em
Conheci quem não pagava imposto
E      Em
Em seu jardim que não pode ser visto
A
Criando situações contra o espetáculo

E     Em
Conheci quem diz não
E      Em
E outros que dizendo sim
A
Usavam ridículas fantasias de cifrão

E                E7  E6 E              G  G4  G
E agora o meu destino é a encruzilhada

E     Em
A mulher que observava o fósforo apagar
E     Em
Ouvindo o som da terra a girar
E      Em
Fugiu pra floresta a felicidade encontrar

E              G
Andei pensando em ter ideias
A
Que ainda não tive mas sei que são boas

E           G
Gaúcho a pé, Tiarajú
A
Santo Sepé, facho de luz

Capítulo 11 

“O homem sem segundas intenções se foi sem dar tchau para os coroas. Andar pela cidade em comunidade. Andar pelo Brasil”, escreveste a lá Chico Sciense e uniu-te ao vento, teu novo melhor amigo. Bife de patinho cinco reais, pacote de arroz, dois e noventa e cinco. Mais tarde verá a Lima, de volta a POA. Vai estar linda como sempre.  

“Pilha uma cevinha?”, ela convidou cheia de saudade. Tu precisas da grana que deixou para depois. Mas vê-la não tem preço. 

A boia tá pronta, comera, mas fica pensando em um jeito de comer escrevendo. Deixa pra lá, muitazideia. 

Ouviste Risoflora e te atrasara. O encontro é amigável a ponto de tu nem contar a grana. Convidas ela para continuar bebendo um vinho no teu apartamento alugado na Demétrio Ribeiro, mas ela, casada, recusa a proposta safada.  

Dormira o domingo inteiro. 

Acorda segunda ao meio dia pensando que já é terça. Precisava de um emprego urgentemente ou pensava precisar. Acontece que a pressão sempre te divertira. Encontra brechas criativas entre o certo e o errado. Como se fosse preguiça, mas prefere chamar de “horários autônomos”. 

O chimarrão com cuia que compraste na Argentina, tomaste com mate gaúcho, mas só por que estavas de estômago vazio. E daí? Foste fumar um cigarro e lembraste que de manhã cedo é a melhor hora pra limpar a garganta. Pegaste uma maçã na geladeira, pusera Wilco pra tocar e vira da sacada a beleza de um pássaro cortando os prédios de Porto Alegre. 

Capítulo 12 

Começava aí tua saga de desconstrução total da imagem dos patriarcas. Naquele momento, assim que soubeste de tudo, tu saíras a caminhar pelas ruas da Cidade Baixa e encontrara-te com teu Guru, com quem pôde desabafar. Os encontros com ele acontecem na desrealização do mundo; o vês sentado sobre as casas em forma gigantesca enquanto desconstroem os preconceitos e planejem nós cegos na massa ignara.  

Um tempo depois, juntos vocês dois iriam para Buenos Aires passar uma semana em um hostel onde estavam hospedadas pessoas do mundo inteiro. Foi a primeira vez que viajara ao exterior e pôde desopilar um pouco dos problemas com teu pai e pensar no futuro. Muita cerveja, violão e um caso sofrível com uma paulista que estava com um argentino, mas tu não sabias. 

De volta à Porto Alegre, desistira de voltar para Bella Cittá e decidira ficar pela Capital mesmo. Segundo tua avó, Elvira, porém, havia “melado derramado na cama”. Uma série de infortúnios começam a brotar contigo, como a embreagem do teu carro que para de funcionar logo após a visita à tua avó.  

Acreditavas que isto tinha a ver com a não-leitura de Aleister Crowley, ainda no tempo em que trabalhavas no jornal, e visitara o bruxo Santo. Tu pegaste o livro do fundador do telemismo e lera somente a última página que dizia para jogar fora o livro depois de lido. Não fizera nada além de colocá-lo de volta na estante.  

Em Porto Alegre, arrumastes um emprego numa luteria onde trabalhara por dois anos e tivestes contato com usuários de Ayahuasca, de uma igreja do Santo Daime da Capital.  Por obra do destino jamais bebeste o chá. Mas teu patrão, Mamaco fazia uso e te emprestara um livro sobre a planta, tendo como foco a questão religiosa do desfrute de uma planta maravilhosa.  

Capítulo 13 

O mundo tocara-te de volta para casa dos teus pais arrependido. A solidão não é culpa da ex-namorada. É desculpa. A melhor e mais forte que existiu, uma dose dela todo o dia era o que tu precisavas para ser feliz. Morfina, quetiapiana, clozapina, aspirina, cocaína…Nada disto, era ela a Ina. Pra quem escreveste poemas e canções, cujos olhos deixaste no cais a ver-te jogar-se no mar. Depois que viste nos dela não achaste nos olhos de mais ninguém. Escreveste e jogara na pilha. O que sempre te salvara: as pontes com memórias vivas.

Quando fostes embora tivera todos os motivos. Dizias que te sentias louco, que era muito pouco, que já não esquecias, porque não era mais o mesmo, porque perdera as contas, porque pedira as contas, porque, simplesmente, disse que iria. “Vou porque Deus me deu a chance de estragar tudo de novo”, escrevestes e jogara na tua pilha novamente. 

Percebera que os homens da pequena cidade não se importavam com nada do que faziam desde que deixassem pela estrada mulheres perdidamente apaixonadas. Isto fazia deles “homens”. 

Agora quebravas por quebrar, lutavas por lutar. Procuravas uma ideologia pra viver. Não querias ficar guardando caixão. Antes de uma resposta sempre vem uma pergunta. Tem gente que quer teu coro, tem gente que quer teu dinheiro, mas tu queres apenas ajudar o teu pai a superar a pedofilia. Não é a notícia de cidades em chamas que arruínam tua mente como um carretel que vira e vira, mas não desanuvia, não são essas guerras que não começaste. É apenas um homem pegando o que precisa do mercado (Leonard Cohen). 

Eras um escritor. Por isto a solidão, a paixão pelas palavras. Não escrevia sobre trivialidades do mundo, por uma vida entorpecida por emoções. Escrevias sobre coisas reais. Sobre o sofá da sala da casa do teu pai. Sobre o almoço em família e a dificuldade de entender o que diz teu avô. Sobre encontrar tua casa. Sobre como não preocupar doentiamente a tua mãe. Sobre como ouvir o silêncio do teu pai. Sobre como tomar as tuas próprias decisões. E como organizar as escrivaninhas mentais. 

Se meu mestre me recusas condenar, morre Ele em meu lugar.

Capítulo 810

Mandinga

Tom: C#m

Afinação: E

C#m E A G#m F#m G#m C#m

Na manga da camisa preta

cai a tornozeleira

mas tem que ser o louco

que tem tudo e mais um pouco

E D F# C

C#m E A G#m F#m G#m C#m

O corte de cabelo na régua

da liderança juvenil

começa com um mate bem cedo

pois “tudo tem limite no Varzil”

E D F# C

C#m E A G#m F#m G#m C#m

Na gola da camisa doze

se não estiver muito frio

mesmo no Anhangá-pitã

o bigode perde o fio

E D F# C

C#m E A G#m F#m G#m C#m

Sentimos as veias abertas

quando Walter Toca Nu

reivindicamos toda nuestra américa

mesmo na Segunda-Feira Blues

Capítulo 8 

Perdeste. Agora que dera-te por conta. E é por isto que te sente assim. Só não sabias o que era. E isso não tinha nada a ver com mudar o mundo. Acha que não há mais o que mudar, nada que valha a pena morrer. Nunca foste aquilo que a Bê, sua ex-namorada pensou que fosse. Quando ela te abraçava na melhor música do disco tu já tinhas pegado no sono. 

Recentemente disseram-te que a única coisa que te salvava era o teu sobrenome. Enfim, o bastante! 

Pelo menos agora tu sabias ser um looser. E isso acontecera justamente contigo. Claro! Tu que desperdiçaste todas as chances de ser alguém e escolheste ser um cagão mesmo. Perdeste quem lutava pela libertação dos seres, perdeste quem quisera te dar filhos, perdeste quem dividias contigo a comida, também quem te dera as melhores noites de tua vida. 

Em sonho Odessa visita-te e mais uma vez demonstra-te tua obsessão pelo ódio que ela sente por si mesma, enquanto caminham pela Europa e de novo tu acabas sozinho. Que sentimento é este que te afliges ao ponto de mandá-la tomar no cu? 

No ônibus tu ficaste nos últimos assentos, enquanto ela ficara em sororidade. Caminhaste até o fim da rua sem saída e sentara-te na frente do portão de uma mansão. Na volta, encontraste dois homens amáveis que mostraram cada um deles seus livros. No ônibus, em fraternidade, tiveste que descer depressa em Novo Hamburgo próximo ao Flamboyant vermelho, mas um deles conseguira identificar teu IP, dizendo que vocês poderiam entrar em contato novamente. 

Em Floripa, e qinda em sonho, conhecera uma família que apoiava um parente enfermo que escolhera morar na beira da praia. 

Capítulo 9 

Arrumar um trabalho em alguma cidade maior da região metropolitana ou voltar a trabalhar com a tua família? Tua mãe está assustada com a tua quietude. Logo tu que enlouquecia seus ouvidos. Estás cabeludo e sujo e não quer mais tomar banho pois entraste na pilha de La Desaparecida e acredita que o xampu está contaminado com sangue de coelhos. Coisa de anarquista, pensas. Mas tu não és anarquista. Estás tentando ser. Interpretando um personagem forçado. 

Ter saído por aí a conhecer quem quer que fosse dera-te uma ideia do pequeno mundo em que vivia. Percebeste que eras um burguesinho de merda. Família de gringos com toda sua epopeia pela ascensão das classes, meritocracia e blábláblá. Acha que o governo brasileiro usara do fascismo quando dera terras aos arianos no sul do país. Gente que trabalha como se fosse o propósito religioso de todo o cristo na terra. Para eles tu escrevera a canção “Chuliquias”. 

Não queria mais saber de trabalho, achava perda de tempo e, no fim, tivera razão, pois contrairia transtornos mentais. Ainda não sabia como dizer de onde tudo isso nascera, mas o certo é que a busca por soluções através de princípios absurdos te levou constantemente a procurar respostas nos lugares mais improváveis. Fizera o óbvio tornar-se a coisa errada a se fazer. Sabia que seguindo nessa direção encontraria algo novo. 

Tinhas um emprego convencional, relações com pessoas comuns e vivendo uma vida normal. ‘Um pária’, diria Joe, seu mais novo conhecido, antropólogo, enquanto problematizavam na sala do teu apartamento a demarcação de terras indígenas. No som toca Le Partisan de Leonard Cohen, escolha da tua ilustre e flamejante Rebelle. Mesmo sendo anarquista, podia-se ver nos olhos verde-arquipélago dela a emoção ao ouvir a parte da letra cantada em francês. Ela trouxe o irmão que viera conhecer o Brasil, de dezessete anos, You, para tua casa. Ele fuma um maço de cigarros por dia, “uma chaminé”, pensas. É com ele que tu darias uma banda de tarde já que ele não aguenta o trabalho dela na aldeia indígena kaingang. Léo quer ver bundas saradas e fumar maconha.  

Na manhã seguinte, seguindo tua rotina habitual de buscar informações na Delegacia de Polícia Civil, levaste You junto contigo para conhecer teu trabalho de jornalista. La Rebelle explodiu de raiva quando soube através dele que tu o tinha levado até à DP. Para ela, policiais são como robôs do Estado (e não o são?). 

Acreditaste ingenuamente que podia fazer algo de bom com tudo o que estava aprendendo, procuraste demonstrar para todos que a vida era muito mais do que trancafiar-se em cubículos com cômodos. Viverias para salvar a vida e afastar a escuridão. Mas agora já nem tem mais vontade de sair da cama, quando sais à rua não gosta que te vejam. Tens momentos de alegria arrebatados por simples notícias ruins do dia. A instituição responsável por tudo isso é quem te apoia nesse momento: a família. 

O tempo livre tens aproveitado para viajar, ver pessoas e, principalmente, ver a si mesmo. Pensas que talvez não tenha nascido para ser um guerreiro ou, quem sabe, que não tenha a raiva suficiente ou um motivo irrevogável para sangrar teus inimigos. 

Assim que saíra do jornal recebera cerca de cinco mil reais e a primeira coisa que fizera foi viajar junto com a Morty para São Gabriel e participar de um evento chamado Primavera Libertária, da Comuna Pachamama. Naquele local, um companheiro fora assassinado durante a luta pela posse da terra. Aos poucos foste cercando-te pelo socialismo-libertário. Lá ouviste Belchior com o coração e queimarq na fogueira a Soberania do Indivíduo.  

Capítulo 10 

Em Florianópolis te tornaste um homem. Apelaste para a razão e percebera como a religião convence no desespero. Dispensara a surpresa, acreditas que não seria surpreendido. Se fores premiado todos saberão o motivo. 

Descobriste que Élvis estava vivo e era o rei com a melhor vista do morro. Pegavas carona com teu colega de trampo no bar em que arranjara um emprego, mas antes subias a escadaria para “lavar a roupa suja” na casa da faxineira do bar. Juca dissera-te para não dar uma de Rodolfo dos Raimundos, que deixara seus companheiros depois que renunciara das drogas. Tinha tanta vontade de erguer um império, mas sabia que se usasse daquele poder te tornaria um novo Che Guevara. Pulaste fora…Lembra-te de rir tocando violão no Alto Ribeirão depois de pegar o madrugadão. E assim, do mesmo jeito que vieste, fora. Percebeste que poderias ser o que quisesse, mas jamais poderia voltar a ser o que era antes. Sentias-te à toa de volta à casa da família. Com o Juca do Morro seria apenas uma saideira na cadeia. 

Naquele mundo percebeste que morrerias facilmente, por isto rodas por aí sendo tu mesmo em todo o lugar. 

Acha que existe uma aura que te protege do mal. 

Se meu mestre me recusas condenar, morre Ele em meu lugar.

Capítulo 4-7: A exultante sensação de estar agindo

Ménage à trois de graça

(áudio aqui)

TOM: G

G D/F# F C Bb Am C

Eu e a anarquista egocêntrica nos amamos tanto

Eu e a capitalista egocêntrica nos amamos tanto também

Hoje estou cantando por que fui religioso e liberal

Mal consigo amar a mim

Amanhã tenho que ir trabalhar que tal fazermos um ménage à trois?

Reservei o Motel do Centro e botei ceva pra gelar

Vocês que vão pagar

Vocês fumaram todo mundo

Depois transaram todo mundo

Depois cheiraram todo mundo

Vocês tentaram mudar o mundo

Vocês que vão pagar

Eu sempre quis fazer um ménage à trois de graça

Capítulo 4 

Um tempo antes de deixar o jornal de Carazinho tu foste passar uma semana na casa de Odessa, em Porto Alegre; estadia que durara duas semanas pois tu conseguira um atestado médico, para realizar a prova do mestrado em jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ela morava nos fundos de outra residência e nela havia apenas um quarto grande onde a mobília era composta de um roupeiro, uma escrivaninha onde repousava em absoluto o livro Sociedade do Espetáculo de Guy Debord e uma cama de casal onde vocês assistiram Jogos Vorazes no notebook enquanto comiam um tipo de queijo francês que lembrava o gorgonzola. You ainda estava por lá e juntamente com ele tu foste apresentado ao criador da Parrhesia Erga Omnes, Syn. Odessa tinha um gato chamado Moikano. 

Embora tiveste a genial ideia de subir na árvore que havia no quintal de sua casa onde havia também uma composteira de pneus, o interesse de Odessa em ti estava acabando.  

Ela era vegetariana e seu prato principal era de molho de cenoura. You comia massas o tempo todo.  

Tua vida burguesa aos poucos foi contaminando o interesse dela em ti e em uma de suas últimas lembranças vividas naquela casa foi quando foste buscar teu violão e pudeste vê-la com outro homem, provavelmente enquanto produziam contrainformações e ela esplendorosamente vestia um vestido todo preto. Depois disso ela se mudara para outra residência próxima e em sonho vocês foram ao mercado comprar comida. Ela desistiria de ti em um aeroporto europeu enquanto vocês falavam sobre a origem do sobrenome Farezin. 

Ela, que luta pela libertação dos seres, mostrou-te a tua prisão. E agora tens todo o caos, a raiva e a angústia que precisava para sangrar teus inimigos. Ela tentou te despertar, feriu-te como uma mulher, o coração, para que sentisses. Mas tu acredita que deve ser compassivo e amoroso, pois assim te foste ensinado. Mas enfeitiçaram-te as palavras, hipnotizaram-te a música e entorpeceram teu amor. As rugas na tua testa demonstram um pouco do desgaste causado pelo tempo que passas na cidade de Carazinho. 

Quando não estava envolvido nas tarefas de plantão do jornal, assistia Californication. Sentias saudades dos ares metropolitanos e de caminhar sem ser notado. Trabalhava durante o almoço e a janta. Nas tardes tocava guitarra e compunha despretensiosamente. Tua produção era livre e solta. Escutavas Caetano, Skippy James e Garage à Trois. Percebeste agora o que significava viver intensamente quando não se tem mais momentos intensos e tocando bateria imaginária enquanto lembrava do tempo em que tocava bateria nas festas da faculdade. 

Capítulo 5 

Na Nabucodonosor, nome da nave dos tripulantes dos personagens do filme Matrix, conheceste o Facool (uma das facetas de Jloc), que te emprestara um livro de antropologia. Ainda em 2013, logo depois que tu pediste demissão, encontraste ele na Cidade Baixa, em POA, e lá vocês cantaram juntos “Os Alquimistas estão chegando” de Jorge Ben. Ele te convidou para passar o final de semana em sua casa em Viamão. No caminho e com o carro cheio, depois de parar para um companheiro descer tu perguntarias se alguém no carro conhecia o Protopia no que Jloc respondera: “EU SOU O PROTOPIA!” e dera uma maléfica risada. No dia seguinte, depois de fumar maconha com a galera tiveste um teto persecutório que causou embotamento, a bruxa Bookows velara teu sono e tu podes curtir sentir-se pela primeira vez acordado fora da Matrix. Na noite do surto, pedira ao Jloc que não te entregasse à polícia no que ele respondera dizendo que até mesmo um policial estaria convidado a conhecer a Nabuk e o Protopia. 

Capítulo 6 

Escreves para não incendiar o mundo. É isto o que te resta. Há uma aversão à escrita depois de ter largado o jornal. É ódio. Não sabes até aonde a tua ira poderá te levar, provavelmente à morte, e já tem muito sangue rolando por aí. Escreves para entender através de qual sentimento lutarás. E não acredita no ódio como fonte de energia construtiva. A bondade cristã, tampouco, é boba demais para a guerra social. Escreves como contribuição para a humanidade, guiado por Gaya. Não sabes guerrear, mas aprendeste a escrever e quer manter os punhos cerrados.  

Capítulo 7 

Os kaingang são ainda os donos da terra pois são eles que povoam as praças e levemente levam suas famílias para almoçar nos restaurantes das cidades. A leveza está nas mãos do pequeno garoto com um blusão vermelho que carrega na sua mão a chave do carro. Uma tradicional família brasileira. Eles não sofrem de boa parte dos problemas do homem branco depremido. São desapegados em relação aos bens materiais e parecem ter todo o tempo do mundo para encontrar a chave do carro, caso o garotinho a perca.  Um casal relativamente novo, família formada pelo pai, mãe, uma filha mais velha e outra pequena, além do garoto.  

O estopim para que te decidisses a deixar o jornal fora quando uma de tuas colegas divergira sobre a pauta que tu queria escrever para o caderno especial do Dia do Agricultor e Motorista, a maior confraternização de Carazinho e municípios da zona da produção. Tu queria cobrir uma pauta sobre reforma agrária e ela dissera em alto e bom som: “os índios que se explodam!”. 

Aprendeste com os antropólogxs algumas palavras em Kahngàg, como a expressão “Muna kairú”, que significa “Vamos, Kairú!”. Vês frequentemente na oficina de tua família a presença deles, em destaque a do professor de biologia Júlio que conhece Jloc, o antropólogo, que Bruna te apresentara. 

Se meu mestre me recusas condenar, morre Ele em meu lugar.

Do buraco do ar condicionado imaginara pela primeira e última vez o betume da judeia iluminado de sol reagir e vira o futuro do teu passado mais-que-perfeito. Sequer resistira, deixava-te levar pela mudança. Eras ainda uma criança. Fora fácil tirar-te dali. Mas quando a Solidão conhecera-te, corrias de todxs e sumia toda Sexta-Feira. Ninguém no Domingo Sagrado de Churrasco aplaudia canções de outras cercanias e murmuraram todos os aposentados da vida: “Novas canções, modas de viola, bochincho e teixeirinha”. Qual o quê?

Quantas vezes quisera voltar ao passado com a chave na mão, mas sem fechadura, pois antes de voltar é preciso amar qualquer lugar.

Do buraco do ar condicionado imaginara pela primeira e última vez antes de pular.

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Na noite em que tivera de pentear os cabelos, a conta toda chegara. Na hora de abotoar a manga da camisa tivera de reconhecer-te e sangrara a América Latina. Mas o mestre falou sobre a vitamina E. E tu que duvidaste da Terra e do Céu, descobrira que no país dos carecas Jesus não tem chapéu.

Se meu mestre me recusas condenar, morre Ele em meu lugar.

A Am A Am D Dm D Dm E Em D Dm

Corruíras, carruíras, curuíras

D

Aprendam a pintar

A Am

Corruíras, carruíras, curuíras

D

Aprendam a pintar

F#m F#7M F#m7 D Dm

O óleo das tuas asas não te deixará voar

A Am A Am A Am A Am D Dm D Dm A Am A Am E Em D Dm A

Carrú deixa pra lá o óleo das tuas asas que não te deixa voar

Carrú pinta de preto esse mundo

Ouça aqui

É raro, mas eu já vi corruíras caírem na valeta de óleo na oficina mecânica da minha família, no noroeste do Rio Grande do Sul. Provavelmente era um filhote que estava aprendendo a voar. Depois de chafurdada no óleo é tarde demais para se voar novamente, não é como nas grandes águas quando ocorre vazamento de petróleo e as aves são limpadas. Mesmo assim eu tentei lavá-las, tentei secá-las, mas só me restou jogá-las aos lagartos para que enfim encontrassem descanso eterno (este é um ferimento.)

No idioma comum de Constantina, cidade de onde escrevo, elas são chamadas”curuíras” e na zona metropolitana onde morei na infância (este também é um ferimento) havia um amigo apelidado de Carrú.

Estes dois ferimentos juntos que por hora te apresento fazem de mim o anarcoindividualista que te escreves e que nascera como Gustavo, aquariano do dia 28 de 1988, na cor incandescente do sol amarelo maia.

Pintar de preto esse mundão velho de Deus, com o equilíbrio da mais bella história que segue sendo contada geração após geração: a história do bem contra o mal e vice-versa; pode ser loucura remexer-me o passado, mas é melhor do que envelhecer sem curá-lo.

Se meu mestre não me condena, morre Ele em meu lugar.