Capítulo 10 – 13

Encruzilhada no pensamento

Tom: E

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E        Em
Acordei, encruzilhada no pensamento
E       Em
Avistei o matiz no firmamento
A
É mais divertido atirar num objeto em movimento

E      Em
Sonhei ou foi na noite passada?
E      Em
Madre superiora queimando a largada
A
Vi toda revolução não ser televisionada

E                E7  E6 E              G  G4  G
E agora o meu destino é a encruzilhada

E     Em
Conheci quem não pagava imposto
E      Em
Em seu jardim que não pode ser visto
A
Criando situações contra o espetáculo

E     Em
Conheci quem diz não
E      Em
E outros que dizendo sim
A
Usavam ridículas fantasias de cifrão

E                E7  E6 E              G  G4  G
E agora o meu destino é a encruzilhada

E     Em
A mulher que observava o fósforo apagar
E     Em
Ouvindo o som da terra a girar
E      Em
Fugiu pra floresta a felicidade encontrar

E              G
Andei pensando em ter ideias
A
Que ainda não tive mas sei que são boas

E           G
Gaúcho a pé, Tiarajú
A
Santo Sepé, facho de luz

Capítulo 11 

“O homem sem segundas intenções se foi sem dar tchau para os coroas. Andar pela cidade em comunidade. Andar pelo Brasil”, escreveste a lá Chico Sciense e uniu-te ao vento, teu novo melhor amigo. Bife de patinho cinco reais, pacote de arroz, dois e noventa e cinco. Mais tarde verá a Lima, de volta a POA. Vai estar linda como sempre.  

“Pilha uma cevinha?”, ela convidou cheia de saudade. Tu precisas da grana que deixou para depois. Mas vê-la não tem preço. 

A boia tá pronta, comera, mas fica pensando em um jeito de comer escrevendo. Deixa pra lá, muitazideia. 

Ouviste Risoflora e te atrasara. O encontro é amigável a ponto de tu nem contar a grana. Convidas ela para continuar bebendo um vinho no teu apartamento alugado na Demétrio Ribeiro, mas ela, casada, recusa a proposta safada.  

Dormira o domingo inteiro. 

Acorda segunda ao meio dia pensando que já é terça. Precisava de um emprego urgentemente ou pensava precisar. Acontece que a pressão sempre te divertira. Encontra brechas criativas entre o certo e o errado. Como se fosse preguiça, mas prefere chamar de “horários autônomos”. 

O chimarrão com cuia que compraste na Argentina, tomaste com mate gaúcho, mas só por que estavas de estômago vazio. E daí? Foste fumar um cigarro e lembraste que de manhã cedo é a melhor hora pra limpar a garganta. Pegaste uma maçã na geladeira, pusera Wilco pra tocar e vira da sacada a beleza de um pássaro cortando os prédios de Porto Alegre. 

Capítulo 12 

Começava aí tua saga de desconstrução total da imagem dos patriarcas. Naquele momento, assim que soubeste de tudo, tu saíras a caminhar pelas ruas da Cidade Baixa e encontrara-te com teu Guru, com quem pôde desabafar. Os encontros com ele acontecem na desrealização do mundo; o vês sentado sobre as casas em forma gigantesca enquanto desconstroem os preconceitos e planejem nós cegos na massa ignara.  

Um tempo depois, juntos vocês dois iriam para Buenos Aires passar uma semana em um hostel onde estavam hospedadas pessoas do mundo inteiro. Foi a primeira vez que viajara ao exterior e pôde desopilar um pouco dos problemas com teu pai e pensar no futuro. Muita cerveja, violão e um caso sofrível com uma paulista que estava com um argentino, mas tu não sabias. 

De volta à Porto Alegre, desistira de voltar para Bella Cittá e decidira ficar pela Capital mesmo. Segundo tua avó, Elvira, porém, havia “melado derramado na cama”. Uma série de infortúnios começam a brotar contigo, como a embreagem do teu carro que para de funcionar logo após a visita à tua avó.  

Acreditavas que isto tinha a ver com a não-leitura de Aleister Crowley, ainda no tempo em que trabalhavas no jornal, e visitara o bruxo Santo. Tu pegaste o livro do fundador do telemismo e lera somente a última página que dizia para jogar fora o livro depois de lido. Não fizera nada além de colocá-lo de volta na estante.  

Em Porto Alegre, arrumastes um emprego numa luteria onde trabalhara por dois anos e tivestes contato com usuários de Ayahuasca, de uma igreja do Santo Daime da Capital.  Por obra do destino jamais bebeste o chá. Mas teu patrão, Mamaco fazia uso e te emprestara um livro sobre a planta, tendo como foco a questão religiosa do desfrute de uma planta maravilhosa.  

Capítulo 13 

O mundo tocara-te de volta para casa dos teus pais arrependido. A solidão não é culpa da ex-namorada. É desculpa. A melhor e mais forte que existiu, uma dose dela todo o dia era o que tu precisavas para ser feliz. Morfina, quetiapiana, clozapina, aspirina, cocaína…Nada disto, era ela a Ina. Pra quem escreveste poemas e canções, cujos olhos deixaste no cais a ver-te jogar-se no mar. Depois que viste nos dela não achaste nos olhos de mais ninguém. Escreveste e jogara na pilha. O que sempre te salvara: as pontes com memórias vivas.

Quando fostes embora tivera todos os motivos. Dizias que te sentias louco, que era muito pouco, que já não esquecias, porque não era mais o mesmo, porque perdera as contas, porque pedira as contas, porque, simplesmente, disse que iria. “Vou porque Deus me deu a chance de estragar tudo de novo”, escrevestes e jogara na tua pilha novamente. 

Percebera que os homens da pequena cidade não se importavam com nada do que faziam desde que deixassem pela estrada mulheres perdidamente apaixonadas. Isto fazia deles “homens”. 

Agora quebravas por quebrar, lutavas por lutar. Procuravas uma ideologia pra viver. Não querias ficar guardando caixão. Antes de uma resposta sempre vem uma pergunta. Tem gente que quer teu coro, tem gente que quer teu dinheiro, mas tu queres apenas ajudar o teu pai a superar a pedofilia. Não é a notícia de cidades em chamas que arruínam tua mente como um carretel que vira e vira, mas não desanuvia, não são essas guerras que não começaste. É apenas um homem pegando o que precisa do mercado (Leonard Cohen). 

Eras um escritor. Por isto a solidão, a paixão pelas palavras. Não escrevia sobre trivialidades do mundo, por uma vida entorpecida por emoções. Escrevias sobre coisas reais. Sobre o sofá da sala da casa do teu pai. Sobre o almoço em família e a dificuldade de entender o que diz teu avô. Sobre encontrar tua casa. Sobre como não preocupar doentiamente a tua mãe. Sobre como ouvir o silêncio do teu pai. Sobre como tomar as tuas próprias decisões. E como organizar as escrivaninhas mentais. 

Se meu mestre me recusas condenar, morre Ele em meu lugar.