Capítulo 4-7: A exultante sensação de estar agindo

Ménage à trois de graça

(áudio aqui)

TOM: G

G D/F# F C Bb Am C

Eu e a anarquista egocêntrica nos amamos tanto

Eu e a capitalista egocêntrica nos amamos tanto também

Hoje estou cantando por que fui religioso e liberal

Mal consigo amar a mim

Amanhã tenho que ir trabalhar que tal fazermos um ménage à trois?

Reservei o Motel do Centro e botei ceva pra gelar

Vocês que vão pagar

Vocês fumaram todo mundo

Depois transaram todo mundo

Depois cheiraram todo mundo

Vocês tentaram mudar o mundo

Vocês que vão pagar

Eu sempre quis fazer um ménage à trois de graça

Capítulo 4 

Um tempo antes de deixar o jornal de Carazinho tu foste passar uma semana na casa de Odessa, em Porto Alegre; estadia que durara duas semanas pois tu conseguira um atestado médico, para realizar a prova do mestrado em jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ela morava nos fundos de outra residência e nela havia apenas um quarto grande onde a mobília era composta de um roupeiro, uma escrivaninha onde repousava em absoluto o livro Sociedade do Espetáculo de Guy Debord e uma cama de casal onde vocês assistiram Jogos Vorazes no notebook enquanto comiam um tipo de queijo francês que lembrava o gorgonzola. You ainda estava por lá e juntamente com ele tu foste apresentado ao criador da Parrhesia Erga Omnes, Syn. Odessa tinha um gato chamado Moikano. 

Embora tiveste a genial ideia de subir na árvore que havia no quintal de sua casa onde havia também uma composteira de pneus, o interesse de Odessa em ti estava acabando.  

Ela era vegetariana e seu prato principal era de molho de cenoura. You comia massas o tempo todo.  

Tua vida burguesa aos poucos foi contaminando o interesse dela em ti e em uma de suas últimas lembranças vividas naquela casa foi quando foste buscar teu violão e pudeste vê-la com outro homem, provavelmente enquanto produziam contrainformações e ela esplendorosamente vestia um vestido todo preto. Depois disso ela se mudara para outra residência próxima e em sonho vocês foram ao mercado comprar comida. Ela desistiria de ti em um aeroporto europeu enquanto vocês falavam sobre a origem do sobrenome Farezin. 

Ela, que luta pela libertação dos seres, mostrou-te a tua prisão. E agora tens todo o caos, a raiva e a angústia que precisava para sangrar teus inimigos. Ela tentou te despertar, feriu-te como uma mulher, o coração, para que sentisses. Mas tu acredita que deve ser compassivo e amoroso, pois assim te foste ensinado. Mas enfeitiçaram-te as palavras, hipnotizaram-te a música e entorpeceram teu amor. As rugas na tua testa demonstram um pouco do desgaste causado pelo tempo que passas na cidade de Carazinho. 

Quando não estava envolvido nas tarefas de plantão do jornal, assistia Californication. Sentias saudades dos ares metropolitanos e de caminhar sem ser notado. Trabalhava durante o almoço e a janta. Nas tardes tocava guitarra e compunha despretensiosamente. Tua produção era livre e solta. Escutavas Caetano, Skippy James e Garage à Trois. Percebeste agora o que significava viver intensamente quando não se tem mais momentos intensos e tocando bateria imaginária enquanto lembrava do tempo em que tocava bateria nas festas da faculdade. 

Capítulo 5 

Na Nabucodonosor, nome da nave dos tripulantes dos personagens do filme Matrix, conheceste o Facool (uma das facetas de Jloc), que te emprestara um livro de antropologia. Ainda em 2013, logo depois que tu pediste demissão, encontraste ele na Cidade Baixa, em POA, e lá vocês cantaram juntos “Os Alquimistas estão chegando” de Jorge Ben. Ele te convidou para passar o final de semana em sua casa em Viamão. No caminho e com o carro cheio, depois de parar para um companheiro descer tu perguntarias se alguém no carro conhecia o Protopia no que Jloc respondera: “EU SOU O PROTOPIA!” e dera uma maléfica risada. No dia seguinte, depois de fumar maconha com a galera tiveste um teto persecutório que causou embotamento, a bruxa Bookows velara teu sono e tu podes curtir sentir-se pela primeira vez acordado fora da Matrix. Na noite do surto, pedira ao Jloc que não te entregasse à polícia no que ele respondera dizendo que até mesmo um policial estaria convidado a conhecer a Nabuk e o Protopia. 

Capítulo 6 

Escreves para não incendiar o mundo. É isto o que te resta. Há uma aversão à escrita depois de ter largado o jornal. É ódio. Não sabes até aonde a tua ira poderá te levar, provavelmente à morte, e já tem muito sangue rolando por aí. Escreves para entender através de qual sentimento lutarás. E não acredita no ódio como fonte de energia construtiva. A bondade cristã, tampouco, é boba demais para a guerra social. Escreves como contribuição para a humanidade, guiado por Gaya. Não sabes guerrear, mas aprendeste a escrever e quer manter os punhos cerrados.  

Capítulo 7 

Os kaingang são ainda os donos da terra pois são eles que povoam as praças e levemente levam suas famílias para almoçar nos restaurantes das cidades. A leveza está nas mãos do pequeno garoto com um blusão vermelho que carrega na sua mão a chave do carro. Uma tradicional família brasileira. Eles não sofrem de boa parte dos problemas do homem branco depremido. São desapegados em relação aos bens materiais e parecem ter todo o tempo do mundo para encontrar a chave do carro, caso o garotinho a perca.  Um casal relativamente novo, família formada pelo pai, mãe, uma filha mais velha e outra pequena, além do garoto.  

O estopim para que te decidisses a deixar o jornal fora quando uma de tuas colegas divergira sobre a pauta que tu queria escrever para o caderno especial do Dia do Agricultor e Motorista, a maior confraternização de Carazinho e municípios da zona da produção. Tu queria cobrir uma pauta sobre reforma agrária e ela dissera em alto e bom som: “os índios que se explodam!”. 

Aprendeste com os antropólogxs algumas palavras em Kahngàg, como a expressão “Muna kairú”, que significa “Vamos, Kairú!”. Vês frequentemente na oficina de tua família a presença deles, em destaque a do professor de biologia Júlio que conhece Jloc, o antropólogo, que Bruna te apresentara. 

Se meu mestre me recusas condenar, morre Ele em meu lugar.