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Capítulo 810

Mandinga

Tom: C#m

Afinação: E

C#m E A G#m F#m G#m C#m

Na manga da camisa preta

cai a tornozeleira

mas tem que ser o louco

que tem tudo e mais um pouco

E D F# C

C#m E A G#m F#m G#m C#m

O corte de cabelo na régua

da liderança juvenil

começa com um mate bem cedo

pois “tudo tem limite no Varzil”

E D F# C

C#m E A G#m F#m G#m C#m

Na gola da camisa doze

se não estiver muito frio

mesmo no Anhangá-pitã

o bigode perde o fio

E D F# C

C#m E A G#m F#m G#m C#m

Sentimos as veias abertas

quando Walter Toca Nu

reivindicamos toda nuestra américa

mesmo na Segunda-Feira Blues

Capítulo 8 

Perdeste. Agora que dera-te por conta. E é por isto que te sente assim. Só não sabias o que era. E isso não tinha nada a ver com mudar o mundo. Acha que não há mais o que mudar, nada que valha a pena morrer. Nunca foste aquilo que a Bê, sua ex-namorada pensou que fosse. Quando ela te abraçava na melhor música do disco tu já tinhas pegado no sono. 

Recentemente disseram-te que a única coisa que te salvava era o teu sobrenome. Enfim, o bastante! 

Pelo menos agora tu sabias ser um looser. E isso acontecera justamente contigo. Claro! Tu que desperdiçaste todas as chances de ser alguém e escolheste ser um cagão mesmo. Perdeste quem lutava pela libertação dos seres, perdeste quem quisera te dar filhos, perdeste quem dividias contigo a comida, também quem te dera as melhores noites de tua vida. 

Em sonho Odessa visita-te e mais uma vez demonstra-te tua obsessão pelo ódio que ela sente por si mesma, enquanto caminham pela Europa e de novo tu acabas sozinho. Que sentimento é este que te afliges ao ponto de mandá-la tomar no cu? 

No ônibus tu ficaste nos últimos assentos, enquanto ela ficara em sororidade. Caminhaste até o fim da rua sem saída e sentara-te na frente do portão de uma mansão. Na volta, encontraste dois homens amáveis que mostraram cada um deles seus livros. No ônibus, em fraternidade, tiveste que descer depressa em Novo Hamburgo próximo ao Flamboyant vermelho, mas um deles conseguira identificar teu IP, dizendo que vocês poderiam entrar em contato novamente. 

Em Floripa, e qinda em sonho, conhecera uma família que apoiava um parente enfermo que escolhera morar na beira da praia. 

Capítulo 9 

Arrumar um trabalho em alguma cidade maior da região metropolitana ou voltar a trabalhar com a tua família? Tua mãe está assustada com a tua quietude. Logo tu que enlouquecia seus ouvidos. Estás cabeludo e sujo e não quer mais tomar banho pois entraste na pilha de La Desaparecida e acredita que o xampu está contaminado com sangue de coelhos. Coisa de anarquista, pensas. Mas tu não és anarquista. Estás tentando ser. Interpretando um personagem forçado. 

Ter saído por aí a conhecer quem quer que fosse dera-te uma ideia do pequeno mundo em que vivia. Percebeste que eras um burguesinho de merda. Família de gringos com toda sua epopeia pela ascensão das classes, meritocracia e blábláblá. Acha que o governo brasileiro usara do fascismo quando dera terras aos arianos no sul do país. Gente que trabalha como se fosse o propósito religioso de todo o cristo na terra. Para eles tu escrevera a canção “Chuliquias”. 

Não queria mais saber de trabalho, achava perda de tempo e, no fim, tivera razão, pois contrairia transtornos mentais. Ainda não sabia como dizer de onde tudo isso nascera, mas o certo é que a busca por soluções através de princípios absurdos te levou constantemente a procurar respostas nos lugares mais improváveis. Fizera o óbvio tornar-se a coisa errada a se fazer. Sabia que seguindo nessa direção encontraria algo novo. 

Tinhas um emprego convencional, relações com pessoas comuns e vivendo uma vida normal. ‘Um pária’, diria Joe, seu mais novo conhecido, antropólogo, enquanto problematizavam na sala do teu apartamento a demarcação de terras indígenas. No som toca Le Partisan de Leonard Cohen, escolha da tua ilustre e flamejante Rebelle. Mesmo sendo anarquista, podia-se ver nos olhos verde-arquipélago dela a emoção ao ouvir a parte da letra cantada em francês. Ela trouxe o irmão que viera conhecer o Brasil, de dezessete anos, You, para tua casa. Ele fuma um maço de cigarros por dia, “uma chaminé”, pensas. É com ele que tu darias uma banda de tarde já que ele não aguenta o trabalho dela na aldeia indígena kaingang. Léo quer ver bundas saradas e fumar maconha.  

Na manhã seguinte, seguindo tua rotina habitual de buscar informações na Delegacia de Polícia Civil, levaste You junto contigo para conhecer teu trabalho de jornalista. La Rebelle explodiu de raiva quando soube através dele que tu o tinha levado até à DP. Para ela, policiais são como robôs do Estado (e não o são?). 

Acreditaste ingenuamente que podia fazer algo de bom com tudo o que estava aprendendo, procuraste demonstrar para todos que a vida era muito mais do que trancafiar-se em cubículos com cômodos. Viverias para salvar a vida e afastar a escuridão. Mas agora já nem tem mais vontade de sair da cama, quando sais à rua não gosta que te vejam. Tens momentos de alegria arrebatados por simples notícias ruins do dia. A instituição responsável por tudo isso é quem te apoia nesse momento: a família. 

O tempo livre tens aproveitado para viajar, ver pessoas e, principalmente, ver a si mesmo. Pensas que talvez não tenha nascido para ser um guerreiro ou, quem sabe, que não tenha a raiva suficiente ou um motivo irrevogável para sangrar teus inimigos. 

Assim que saíra do jornal recebera cerca de cinco mil reais e a primeira coisa que fizera foi viajar junto com a Morty para São Gabriel e participar de um evento chamado Primavera Libertária, da Comuna Pachamama. Naquele local, um companheiro fora assassinado durante a luta pela posse da terra. Aos poucos foste cercando-te pelo socialismo-libertário. Lá ouviste Belchior com o coração e queimarq na fogueira a Soberania do Indivíduo.  

Capítulo 10 

Em Florianópolis te tornaste um homem. Apelaste para a razão e percebera como a religião convence no desespero. Dispensara a surpresa, acreditas que não seria surpreendido. Se fores premiado todos saberão o motivo. 

Descobriste que Élvis estava vivo e era o rei com a melhor vista do morro. Pegavas carona com teu colega de trampo no bar em que arranjara um emprego, mas antes subias a escadaria para “lavar a roupa suja” na casa da faxineira do bar. Juca dissera-te para não dar uma de Rodolfo dos Raimundos, que deixara seus companheiros depois que renunciara das drogas. Tinha tanta vontade de erguer um império, mas sabia que se usasse daquele poder te tornaria um novo Che Guevara. Pulaste fora…Lembra-te de rir tocando violão no Alto Ribeirão depois de pegar o madrugadão. E assim, do mesmo jeito que vieste, fora. Percebeste que poderias ser o que quisesse, mas jamais poderia voltar a ser o que era antes. Sentias-te à toa de volta à casa da família. Com o Juca do Morro seria apenas uma saideira na cadeia. 

Naquele mundo percebeste que morrerias facilmente, por isto rodas por aí sendo tu mesmo em todo o lugar. 

Acha que existe uma aura que te protege do mal. 

Se meu mestre me recusas condenar, morre Ele em meu lugar.

Do buraco do ar condicionado imaginara pela primeira e última vez o betume da judeia iluminado de sol reagir e vira o futuro do teu passado mais-que-perfeito. Sequer resistira, deixava-te levar pela mudança. Eras ainda uma criança. Fora fácil tirar-te dali. Mas quando a Solidão conhecera-te, corrias de todxs e sumia toda Sexta-Feira. Ninguém no Domingo Sagrado de Churrasco aplaudia canções de outras cercanias e murmuraram todos os aposentados da vida: “Novas canções, modas de viola, bochincho e teixeirinha”. Qual o quê?

Quantas vezes quisera voltar ao passado com a chave na mão, mas sem fechadura, pois antes de voltar é preciso amar qualquer lugar.

Do buraco do ar condicionado imaginara pela primeira e última vez antes de pular.

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Na noite em que tivera de pentear os cabelos, a conta toda chegara. Na hora de abotoar a manga da camisa tivera de reconhecer-te e sangrara a América Latina. Mas o mestre falou sobre a vitamina E. E tu que duvidaste da Terra e do Céu, descobrira que no país dos carecas Jesus não tem chapéu.

Se meu mestre me recusas condenar, morre Ele em meu lugar.

A Am A Am D Dm D Dm E Em D Dm

Corruíras, carruíras, curuíras

D

Aprendam a pintar

A Am

Corruíras, carruíras, curuíras

D

Aprendam a pintar

F#m F#7M F#m7 D Dm

O óleo das tuas asas não te deixará voar

A Am A Am A Am A Am D Dm D Dm A Am A Am E Em D Dm A

Carrú deixa pra lá o óleo das tuas asas que não te deixa voar

Carrú pinta de preto esse mundo

Ouça aqui

É raro, mas eu já vi corruíras caírem na valeta de óleo na oficina mecânica da minha família, no noroeste do Rio Grande do Sul. Provavelmente era um filhote que estava aprendendo a voar. Depois de chafurdada no óleo é tarde demais para se voar novamente, não é como nas grandes águas quando ocorre vazamento de petróleo e as aves são limpadas. Mesmo assim eu tentei lavá-las, tentei secá-las, mas só me restou jogá-las aos lagartos para que enfim encontrassem descanso eterno (este é um ferimento.)

No idioma comum de Constantina, cidade de onde escrevo, elas são chamadas”curuíras” e na zona metropolitana onde morei na infância (este também é um ferimento) havia um amigo apelidado de Carrú.

Estes dois ferimentos juntos que por hora te apresento fazem de mim o anarcoindividualista que te escreves e que nascera como Gustavo, aquariano do dia 28 de 1988, na cor incandescente do sol amarelo maia.

Pintar de preto esse mundão velho de Deus, com o equilíbrio da mais bella história que segue sendo contada geração após geração: a história do bem contra o mal e vice-versa; pode ser loucura remexer-me o passado, mas é melhor do que envelhecer sem curá-lo.

Se meu mestre não me condena, morre Ele em meu lugar.